Recessão à vista!

Por Fábio Silveira


Ainda atordoados, muitos investidores já se despiram das vestes ultraliberais, trajadas até fevereiro passado, passando a exibir o último protótipo neokeynesiano, lançado às pressas na temporada de inverno no hemisfério norte. Em tempos de pandemia de coronavírus (Covid-19), é mais prudente repaginar outro modelo “clássico” da teoria econômica para que nações, sociedades e instituições se mantenham em pé, justificando a antiga citação francesa de que “il faut que tout change pour que tout rest comme avant” (é necessário que tudo mude para que tudo continue como antes).
Ao contrário do ocorrido na crise americana de 2008, quando o sistema financeiro entrou em colapso antes do setor produtivo, a rápida propagação da Covid-19 acendeu o alerta de que as atividades do mundo real (indústria, comércio e serviços) poderiam ser interrompidas por vários meses, solapando, logo em seguida, os alicerces e as funcionalidades de bancos e afins.
Percebendo o poder de destruição de riqueza que vinha no rastro dessa pandemia, Washington partiu para mais uma guerra. Em março, decidiu mobilizar US$ 2,0 trilhões em crédito e gastos públicos para atenuar os enormes danos que atingiriam diretamente empresas e famílias americanas. Trata-se da mais arrojada iniciativa de expansão de consumo e investimento feita por um governo na história, implicando em uma injeção de recursos 2,5 vezes maior do que a realizada para debelar a crise de 12 anos atrás.
A China vem adotando, também, programas de incentivo monetário e fiscal, ao mesmo tempo em que procura resgatar o quotidiano das cidades, que sofreram duramente com os impactos da pandemia em janeiro e fevereiro, pautando-se pela hipótese de que “o pior já passou”.
Como nas crises globais das décadas de 1990 e 2000 (asiática, russa, americana etc.), a economia brasileira será diretamente prejudicada. Devido à grande magnitude do atual “choque de oferta”, os volumes de renda e emprego tendem a diminuir drasticamente nos próximos meses, mesmo considerando os efeitos positivos das medidas recentes implementadas pelo Governo Federal e Banco Central, que visam transferir renda às famílias e facilitar o acesso ao crédito às empresas, principalmente às pequenas.
Na história da economia mundial, é a primeira vez que múltiplas e interligadas cadeias de produção e comercialização são interrompidas, de forma simultânea e abrupta, esterilizando parte do fluxo monetário regular, em escala internacional e doméstica. Desse modo, tal como visto em outros países afetados pela Covid-19, o Brasil ingressará num período de forte contração de lucros, salários e tributos nos segundo e terceiro trimestres.
Em função de suas características operacionais, as cadeias produtivas mais prejudicadas serão aquelas cuja demanda interna é muito influenciada pela evolução dos níveis de emprego, salários e crédito ao consumidor, tais como as de alimentos e bebidas, produtos têxteis e de vestuário, calçados, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e automóveis.
Por outro lado, espera-se por maior preservação da receita, em reais, de exportadores de commodities agrícolas (soja, milho, café, açúcar, carnes etc.), considerando que, em 2020: a) a taxa média de câmbio deve subir 22% em relação ao ano passado, atingindo R$ 4,82 / US$; e b) a queda dos preços, em dólar, dessas commodities no mercado externo será proporcionalmente menor que a alta do dólar, uma vez que a disseminação do coronavírus tende a elevar, em escala global, a procura por alimentos e a formação de estoques “defensivos”.
De todo modo, no fechamento deste ano, os principais setores econômicos do país apresentarão forte retração de suas atividades. Para o caso da indústria, por exemplo, projeta-se que sua produção terá declínio de 7% frente a 2019.

Produção industrial 2020: previsão de queda de 7%

Fonte: Pesquisa Industrial Mensal – IBGE. (P) Projeção MacroSector Consultores

Se o retorno às atividades econômicas na cidade chinesa de Wuhan (primeiro epicentro da pandemia) neste trimestre não vier acompanhado por uma segunda onda de contágio pelo coronavírus, é razoável admitir que a economia brasileira (e a mundial) poderá iniciar sua recuperação no final de 2020. Além disso, no país, é necessário que as políticas públicas tenham maior unicidade no combate à pandemia.
Após a brusca parada, desorganização e “perda de memória do conteúdo” de várias etapas dos processos produtivos, espera-se que a futura retomada econômica resulte em uma reconstrução gradual da lógica desses processos. Como em outras grandes crises cíclicas, a superação da fase recessiva vai requerer a busca por índices mais elevados de produtividade da indústria, do comércio e dos serviços, o que será alcançado mediante a intensificação do uso de tecnologia e de mão de obra qualificada.