Números do agro não estão alinhados à rentabilidade do produtor, diz economista

Por Marsílea Gombata, Valor — São Paulo

Os números exuberantes do PIB do setor agropecuário divulgados hoje pelo IBGE não refletem os preços e a rentabilidade baixa dos produtores do setor, afirma Fabio Silveira, diretor da Macro Sector Consultores. Apesar de levar em conta aumento da produção e, provavelmente, a queda do preço médio de fertilizante no valor adicionado, os dados do primeiro trimestre embutem a queda de preços causada por alta taxa de juros em todo o mundo e desaceleração da economia global.

O PIB brasileiro cresceu 1,9% no primeiro trimestre, ante o quarto trimestre de 2023, com ajuste sazonal, e 4% ante o primeiro trimestre de 2022. A alta foi puxada pelo setor agropecuário, que cresceu 21,6% ante o trimestre anterior e 18,8%, na comparação com o mesmo trimestre do ano passado.

“Os números surpreendem pela amplitude. Estávamos esperando algo em torno de 2%, na variação trimestre contra trimestre anterior, com ajuste sazonal. Não me recordo de ter visto uma variação tão expressiva nos últimos dez anos”, disse em entrevista ao Valor. “De todo modo, para mim, os números de hoje não trazem uma leitura alinhada com a realidade da rentabilidade produtor de soja e milho nesse primeiro trimestre. Estão um pouco dissociados da realidade.”

Segundo o economista, os números do primeiro trimestre são explicados pela baixa base de comparação de 2022, quando houve quebra de safra de algumas culturas.

Para 2023, afirma, enquanto soja e milho devem amargar preços mais baixos, café e cana-de-açúcar tendem a ter cenário mais favorável.

No ano como um todo, contudo, o desempenho da agropecuária ainda será melhor do que outros setores da economia.

1º trimestre

Os números divulgados hoje foram fortes. Possivelmente, entraram no cálculo preços [menores] de fertilizantes, que é uma melhora extraordinária de valor adicionado. Mas valor adicionado é uma coisa, riqueza é outra, pois tem a ver com a melhora dos preços, da rentabilidade. Essa alta de 21,6%, na variação trimestre contra trimestre com ajuste sazonal, parece uma melhora significativa da riqueza, mas não é. Se olharmos os preços de soja e milho, vemos que estão decepcionantes, o que não significa que o aumento produção não tenha sido importante.

Mas os números surpreendem pela amplitude. Estávamos esperando algo em torno de 2%, na variação trimestre contra trimestre anterior, com ajuste sazonal. Não me recordo de ter visto uma variação tão expressiva nos últimos dez anos.

Neste ano tivemos aumento da produção de grãos como soja e milho e de culturas permanentes como café e cana-de-açúcar. Isso oferece boa sustentação para o PIB da agropecuária, por conta do aumento físico. Mas esse aumento de produção não necessariamente significa aumento de renda expressivo para as quatro culturas. Os preços de milho e soja estão muito fracos. A receita agrícola não enriqueceu o produtor, pelo contrário. E não necessariamente haverá crescimento significativo da renda das cadeias produtivas ligadas a milho e soja. Já os de café e cana são relativamente melhores, permitindo algum crescimento de renda para essas atividades.

De todo modo, para mim, os números de hoje não trazem uma leitura alinhada com a realidade da rentabilidade produtor de soja e milho nesse primeiro trimestre. Estão um pouco dissociados da realidade.

Produção

A produção teve alta agora, porque em 2022 tivemos quebra de safra de soja, por exemplo. Portanto, a base de comparação é menor. Além disso, no caso de soja e milho, houve um pouco de aumento de rentabilidade e de área plantada, que favoreceu a expansão neste ano.

Para a produção de cana-de-açúcar, houve melhora por motivos de rentabilidade em 2022, o que contribuiu para aumento da produção em 2023. Quanto ao café, há o caráter bianual da cultural. Um ano há alta, no outro, baixa. Este ano será de aumento de produção.

Fertilizantes

O preço baixo dos fertilizantes está contribuindo para o aumento do valor adicionado. O preço de hoje, contudo, não é o mesmo que o produtor utilizou para a safra cujos números estamos conhecendo hoje. Essa queda de preço favorece produtores de soja e milho, atenua a queda de rentabilidade dessas produções.

Ao contrário de 2022, neste ano estamos vendo uma redução dos preços dos fertilizantes. No ano passado houve início da guerra na Ucrânia, e os preços fertilizantes explodiram. Neste ano, estão mais comportados e bastante próximos à média histórica. Em março, o preço médio dos fertilizantes caiu 24% ante março de 2022. Os preços baixaram porque os problemas de logística foram sendo resolvidos. A guerra não acabou, mas não tem a mesma intensidade. Problemas de logística envolvendo produtos que vinham da região do Mar Negro, que é importante fornecedora de fertilizantes para o mundo, foram resolvidos, permitindo-se passagem de bens essenciais. Isso fez com que a oferta fosse normalizada. Alguns outros países tentaram se colocar como fornecedores, mas a oferta desses produtos está localizada.

A guerra na Ucrânia já deixou de atrapalhar a oferta de fertilizante, soja e milho, e produção agrícola como um todo. Ela não mais tem efeito.

Preços

Produções de soja e milho terão desempenho melhor em produção, mas o preço está muito deprimido por motivos de oferta, decorrente da desaceleração do crescimento da economia mundial, e da alta dos juros no mercado internacional e, consequentemente, baixa dos preços nos mercados futuros.

Neste ano, teremos crescimento muito modesto da economia dos EUA, da Europa, Japão, China, Índia, Rússia. Há certo crescimento, mas muito distantes das taxas vigorosas de anos atrás. Na Macro Sector Consultores, trabalhamos com alta de 1% da receita agrícola, atingindo R$ 913,4 bilhões, após alta de 2,9% em 2022 ante 2021.

Por outro lado, houve baixa de preço ligada a alta dos juros. Com o patamar elevado de juros hoje na economia mundial, consequentemente os preços no mercado especulativo de soja, milho, petróleo e outras commodities tiveram queda significativa. Isso contribui para baixar preços de soja e milho e a prejudicar rentabilidade aqui no Brasil.

2023

Neste ano, o melhor desempenho em termos de renda será o de cana, que está com preços elevado por motivos de escassez, quebra de produção de açúcar na Índia. E isso oferecerá razoável sustentação do preço da cana aqui no Brasil.

De maneira geral, o agronegócio terá um desempenho ainda melhor que outros setores. A indústria estava muito enfraquecida. Nas nossas previsões, a produção indústria não teria crescimento neste ano, e o PIB da indústria cresceria entre 0% e 1%.

O varejo terá desempenho um pouquinho melhor, já que não se tem aumento tão espetacular de massa salarial a ponto de neutralizar a alta de inadimplência que houve na economia nos primeiros meses desse ano. A economia está parada. Um dos motivos são os juros elevados, o outro é a inadimplência das famílias, fundamentalmente, e das empresas.

Há, consequentemente uma dificuldade de aceleração do crescimento ao longo de 2023. Os números [divulgados hoje] mostram exuberância grande, mas pela base de comparação baixa em alguns casos. Não se tem um fluxo de caixa de empresas, no agregado, portanto não se permite trabalhar com aumento importante do PIB em 2023.

Claro que depois da divulgação de hoje, todos vão se debruçar em cálculos de projeção do PIB. Mas vamos devagar, porque os números foram muito torturados por oscilações muito bruscas que mexeram com metodologias de cálculo das instituições de pesquisa. Todos foram surpreendidos com brutalidade alterações de fluxo de riqueza do planeta, rotas produtivas, cadeias, foi tudo muito alterado pela dinâmica da pandemia. E agora estamos retomando a “normalidade” com o mundo dividido em dois. Antes era uma economia mais globalizada, hoje menos. Tudo isso interfere na lógica de valor adicionado na economia brasileira. O mundo ainda está se re-acertando.

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