Inflação crescente no país

A corrosão real dos salários está sendo maior do que a oficial?

Nos últimos doze meses terminados em agosto, o IPCA-Geral subiu 9,68%; e o IGP-M registrou a estratosférica alta de 31,1%. Ou seja, nesse período, a discrepância entre ambos os índices ampliou-se frente ao observado em anos anteriores. Isto sugere que o IPCA-Geral deve ser objeto de revisão de sua metodologia de cálculo, incorporando mudanças no comportamento das famílias após a eclosão da pandemia de coronavírus, mudanças essas suscitadas, entre outros fatores, pela crescente digitalização e intensificação do trabalho “homeoffice” na economia.
O IPCA é um índice de preços ao consumidor, cuja metodologia foi desenvolvida pelo IBGE. O IGP-M, por sua vez, é um índice de preços do atacado, cuja metodologia foi desenvolvida pela FGV.
A simples observação do gráfico abaixo, que compara as curvas do IPCA-Geral e do IGP-M ao longo dos últimos doze anos, permite constatar que, no período setembro-2020 a agosto-2021, a corrosão do orçamento familiar (medida pelo variação do IPCA-Geral) teria sido maior do que o aumento oficial de 9,68%.
Tal aumento retringiu-se ao percentual de 9,68%, pois, em grande medida, os impactos da covid-19 sobre a estrutura de preços relativos da economia brasileira, que começaram a surgir em março de 2020, levaram importantes subgrupos de preços, nos últimos doze meses terminados em agosto, a acumular variações oficiais expressivas, mas, ainda assim, possivelmente subestimadas. Estes foram os caso do: i) “IPCA-Alimentos e Bebidas”, que subiu oficialmente 14,2%; e do ii) “IPCA-Transportes”, que teve incremento de 15,9%.
A hipótese que cabe ser logo testada, portanto, é se a corrosão real do orçamento familiar foi (ou não) muito maior do que a corrosão oficial de 9,68%. É possível que a perda real, efetiva, tenha sido da ordem de 11%, 12%, ou até mais, como se depreende do fato de o IGP-M ter subido fortemente entre os meses de setembro-2020 a agosto-2021, elevando-se 31,1%, ou seja, cerca de três vezes a variação do IPCA, por causa, principalmente, do encarecimento das commodities no mercado externo e da alta do dólar. Durante o longo ciclo de 2009-2021, o aumento anual médio do IGP-M foi uma vez e meia maior que a variação anual média do IPCA.
Além de mudanças de comportamento mencionadas acima (maior nível de digitalização, homeoffice etc), que foram aceleradas pelo surgimento da Covid-19, a alta de preços no varejo de alimentos, bebidas, combustíveis e de outros produtos tem sido camuflada pela “política de sobrevivência” praticada, principalmente, por empresas do comércio varejista. Com essa política, as empresas tentam evitar o repasse dos fortes aumentos de preços ocorridos no atacado em passado recente, operando, assim, com margens mínimas de rentabilidade, quando não, negativas.
No caso de produtos agrícolas, seus preços no atacado subiram 40% nos últimos doze meses terminados em agosto-2021, como aponta a variação do IPA-M, sinalizando que, nesse período, alta do “IPCA – Alimentos e Bebidas” foi 18,3% (contra 14,2%); e a corrosão real do orçamento familiar, ou a elevação do IPCA-Geral, totalizou 12,5% (contra 9,68%).

 

 

Evolução mensal de IGP-M e IPCA


Fontes: FGV e IBGE
Nesse sentido, é fundamental analisar com profundidade o contexto em que estamos vivendo, sob as óticas social e econômica, passando a admitir que algumas mudanças técnicas não são efêmeras. Digitalização e trabalho homeoffice são processos que estão se aprofundando rapidamente no sistema produtivo, o que vai demandar um rebalanço dos grupos de preços do IPCA, bem como recálculo das projeções da inflação oficial.
Glossário
IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), formulado pelo IBGE, mede a inflação do grupo de produtos e serviços comercializados no varejo, referente ao consumo pessoal das famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos. A metodologia do IPCA cobre cerca de 90% das famílias pertencentes às áreas urbanas, sendo sua estrutura de pesos do IPCA composta, principalmente, pelos gastos com Transportes (20,8%), Alimentação e Bebidas (19%), Habitação (15,2%), Saúde e Cuidados Pessoais (13,5%), Despesas Pessoais (10,6%), que somados representam 79% do total de gastos. A última atualização dos pesos ocorreu em Janeiro/2020 (com dados da POF 2017-2018).
IGP-M  (Índice Geral de Preços – M) mede a variação de preços no atacado, tendo sido desenvolvido pela FGV. O IGP-M é composto pelos seguintes índices e respectivos pesosl: a) Índice de Preços ao Produtor Amplo – IPA (60% do IGP), referente aos preços das commodities e da indústria na esfera do atacado; b) Índice de Preços ao Consumidor – IPC (30% do IGP), relativo à inflação e poder de compra das famílias; e c) Índice Nacional de Custo da Construção – INCC (10% do IGP), que mede a inflação na construção civil.