Por: Roberto Nemr (*),
(*) Analista responsável pelo relatório.
Quero falar de dois debates essenciais. O primeiro diz respeito à retomada da economia brasileira, e o outro sobre a possibilidade de crise no mercado americano.
No caso do primeiro, os protagonistas Luis Carlos Mendonça de Barros e Monica de Bolle tiveram um embate no Facebook. O economista veterano e investidor defende a ideia de que a economia brasileira está em um processo de retomada consistente e que a reação do mercado de ações reflete esta retomada.
Já a economista, vinculada ao Peterson Institute de Washington e autora de um dos melhores painéis da era Dilma (Como matar a Borboleta Azul), discorda e acha que teremos mais uma vez um voo de galinha ancorado parcialmente no efeito que a liberação do FGTS trouxe sobre o consumo (explica metade do aumento do consumo no segundo trimestre e tende a se esgotar). Ela acredita que o efeito da redução dos juros não é suficiente para manter a retomada, pois em termos efetivos, o juro nominal está caindo mais que o juro real.
Monica de Bolle critica o governo Temer pela falta de legitimidade e ausência efetiva de reformas, pois a situação fiscal continua a se deteriorar a olhos vistos, apesar do discurso reformista. O teto dos gastos não se sustenta sem que haja uma reforma radical da previdência, que parece cada vez mais longe. Enquanto Mendonça de Barros defende Temer todos os dias, De Bolle o acha moral e democraticamente ilegítimo para levar a cabo as profundas transformações de que o Brasil precisa.
Vamos à segunda discussão. A página do Project Syndicate trouxe uma previsão de que há grandes chances do mercado de ações americano entrar em um bear market. O economista Robert Shiller, prêmio Nobel de economia e que previu as bolhas da internet e dos subprimes, mostra que com um CAPE (preço lucro ajustado ciclicamente, um indicador desenvolvido por ele e que considera o preço lucro para um período mais longo ajustado pela inflação) de 30x o mercado americano quase nunca esteve tão caro.
Também, 13% de crescimento dos lucros nos últimos 12 meses é uma característica comum observada antes de todo bear market (tem que haver algo para amparar o otimismo!). Nas últimas 13 vezes que antecederam um bear market (queda de mais de 20% no preço das ações) só uma vez, em 2000, a Bolsa esteve mais cara do que 30x, de acordo com este critério.
Outro indicador assustador é a volatilidade do mercado americano. Historicamente, o standard deviation of shares é de 3,5%, enquanto que antes de cada uma das crises do passado esteve em 3,1% (indicando complacência relativa). Atualmente, o valor se encontra em 1,2%, nunca visto e que reflete um mercado praticamente congelado, sem nenhuma dinâmica, quase uma renda fixa.
O nunca visto poucas vezes continua nunca visto. Um dos argumentos justificando o “desta vez é diferente” é o poder monopolista conquistado pelas principais corporações americanas, especialmente às ligadas à tecnologia, como comentado recentemente na revista The Economist.
Pois aí reside um risco adicional, à medida que o regulador e as agências antitrustes se atualizem para combater a posição entrincheirada de empresas como a Microsoft, Google, Facebook, entre muitas outras. As proibições do Uber em Londres, esta semana, e do uso do Bitcoin na China, já são sinais de que as empresas de internet não podem continuar usufruindo de crescentes ganhos de escala, acesso ilimitado a dados, duvidosos escapes fiscais e de continuarem a passar incólumes por governos.
Outro possível trigger para o despertar do risco, além das escaramuças geopolíticas que estão aumentando, é o crescente endividamento nos Estados Unidos, na China e no mundo. A agência de riscos S&P seguiu a Moody’s e cortou a nota da China devido ao crescimento exponencial de suas dívidas. O Reino Unido também teve corte. Por enquanto, o mercado permaneceu sanguíneo, usando o velho argumento de “não tem pra onde ir”.
Combinando as duas teses, seria hoje um momento de cautela? Sim, sem dúvida. A Bolsa americana tem um potencial de cair um mínimo de 20%, podendo chegar a 40% (de acordo com Martin Feldstein) para voltar a algo próximo ao padrão histórico ou até 60% se vier acompanhada de crise de endividamento, regulação etc.
Os riscos são evidentes. Em um cenário desses, a Bolsa brasileira também não se sustenta, haja vista estar sendo negociada a um PL superior a 15x, que já está acima da média histórica. Portanto, a recuperação pode ser interrompida sendo que a queda de juros sozinha não conseguirá sustentar a demanda sem que haja um aumento da oferta de emprego.
Como a capacidade ociosa da indústria é grande, não há grande necessidade de contratação. Dezembro é normalmente um mês de ajuste cíclico de emprego. Se olharmos a contratação líquida no ano, ela se concentra nos setores agrícola, de medicina e de educação, havendo muitos setores, como o de construção, que continuam a demitir.
Outro risco que continua a nos rondar é o político. O calendário das reformas fica cada vez mais estreito, durando até no máximo maio do ano que vem, pois a partir de junho a disputa eleitoral vai atrair todas as atenções.
Ninguém em sã consciência espera uma disputa tranquila em 2018, uma eleição de difícil previsibilidade, mas que irá definir o rumo do Brasil por no mínimo os próximos dez anos. Como diz o provérbio popular “é hora de deixar as barbas de molho”. Nesses momentos, dólar e DI, esnobados quando Bolsa e Pré assumem o palco, voltarão a chamar a atenção.
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