“Como a Rússia em guerra virou o quinto país que mais vende fertilizantes para o Brasil?”

Por Marta Watanabe e Álvaro Fagundes, Valor — São Paulo

A importação brasileira de produtos russos se acelerou neste início de ano num ritmo muito maior que o do total das compras externas. Com isso, os russos, mesmo em guerra com a Ucrânia, galgaram postos e passaram a ser, de janeiro a abril, o quinto país que mais vende ao Brasil. Em igual período do ano passado, estavam na 12ª posição.

A China ainda lidera com folga o fornecimento de produtos ao Brasil de janeiro a abril deste ano, seguida logo depois pelos Estados Unidos. Alemanha e Argentina vêm depois. A Rússia, em quinto, vendeu ao Brasil no período total de US$ 2,4 bilhões, praticamente empatada em valor com a Índia, que vem logo depois. Em relação ao ano passado, os russos deixaram para trás países como Coreia do Sul,México e Japão.

As compras brasileiras da Rússia cresceram 89% de janeiro a abril deste ano em relação ao mesmo período de 2021. No geral, as importações brasileiras subiram 28% nessa mesma comparação.

Mina de potássio, um dos fertilizantes mais usados na agricultura — Foto: Katarzyna Kosianok / Pixabay

Especialistas apontam que a posição atual da Rússia entre os cinco maiores fornecedores do Brasil não é permanente, mas resultado de um cenário que veio com a pandemia e foi exacerbado pela guerra entre Rússia e Ucrânia.


A composição da nossa atividade econômica e a “cesta” brasileira do que compramos de produtos russos ajudam a explicar isso. Os adubos ou fertilizantes químicos são o componente principal e ocupam 70% da cesta. Outros 15% ficam para o carvão enquanto óleos combustíveis de petróleo respondem por outros 7,1%.

A Rússia é um dos maiores fornecedores globais de fertilizantes e adubos. Dejaneiro a abril os russos forneceram US$ 1,65 bilhão nesses itens, o que representouum quarto do que importamos desses insumos no período. O valor do quecompramos dos russos cresceu 142% contra iguais meses de 2021.

A alta no valor foi influenciada por preços e por antecipação de compras. Os preços dos fertilizantes importados pelo Brasil saltaram 130,7% em abril contra igual mêsdo ano passado. O dado é da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME) e vale para todo o fertilizante que importamos nesse mês, mas o insumo que veio da Rússia também ficou mais caro. Dados da MacroSector mostram que o preço dos fertilizantes russos que o Brasil comprou no primeiro trimestre de 2022 subiu 149% contra iguais meses de 2021.

Medo de falta de insumo

Esse aumento de preços, diz Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria, reflete uma alta que aconteceu já desde o decorrer de 2021. Sob efeito da pandemia, adubos e fertilizantes ficaram mais caros em razão de aumento de demanda, escassez de oferta e gargalos logísticos. A guerra trouxe temor maior ainda pela falta do insumo.

Economista Fabio Silveira — Foto: Claudio Belli/Valor

Ao divulgar os dados da balança comercial de abril, o subsecretário de Inteligência e Estatísticas de Comércio Exterior da Secex, Herlon Brandão, explicou que, de acordo com levantamento do órgão, os produtores agrícolas anteciparam a aquisição desses insumos, provavelmente por receio de desabastecimento, agora já sob influência da guerra no Leste Europeu. O usual, explicou ele, é a importação desses insumos aumentar no segundo semestre do ano.


Silveira lembra que a robusta produção agrícola no ano passado criou uma espécie de “euforia” no setor em relação às perspectivas de 2022. A receita agrícola em 2021,diz, alcançou R$ 893 bilhões, alta de mais de 50% contra o ano anterior.Capitalizados, com expectativas altas para este ano e com temor de escassez de insumos, os produtores adiantaram as compras de fertilizantes e defensivos, conta.


Questões climáticas, lembra, levaram mais tarde a uma reavaliação da safra de 2022.Ainda assim, safras importantes, como a de grãos, exemplifica, devem ter aumento de volume de cerca de 3%, estima.

Preços devem continuar altos

Silveira lembra que adubos e fertilizantes em importação agora deverão ser usados para a safra do próximo ano, já que a deste ano já está plantada.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil(AEB), diz que os preços devem continuar pressionados e não há perspectiva de ajuste maior tanto em fertilizantes quanto em petróleo enquanto a guerra perdurar.

Jose Augusto de Castro, da AEB — Foto: Leo Pinheiro/Valor
José Augusto de Castro, da AEB — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Para Silveira, é possível que em maio a importação de fertilizantes, inclusive da Rússia, siga alta. Para ele, porém, a demanda não se manterá nesse nível, em razão de os preços estarem muito altos, com impacto muito grande no custo do produtor.Caso a conta mostre que o preço do produto agrícola não comportará o repasse do custo, a compra de fertilizantes e demais insumos será reduzida. Produtores irão, ao menos em parte, optar por usar solos já fertilizados de safras anteriores, o que deve trazer queda de produtividade, diz.


As exportações brasileiras para a Rússia somaram US$ 741,5 milhões no primeiro quadrimestre deste ano, com alta de 81,3% contra igual período de 2021. Como o valor total do que vendemos a eles foi menor do que o das importações, o Brasil teve déficit comercial com os russos de US$ 1,64 bilhão de janeiro a abril. Produtos agrícolas dominam o que exportamos a eles. Do total, 32% são soja e outros 20%,açúcares e melaços. Café não torrado é o terceiro item, com 7,6%.