Como a queda dos preços das commodities em meio ao tarifaço de Trump pode afetar o Brasil

Por Márcia De Chiara, do Estadão

Os preços das matérias-primas no mercado internacional têm despencado em resposta à desaceleração da economia mundial que se avizinha por causa do tarifaço imposto por Donald Trump. O índice CRB (Commodity Research Bureau Index), que mede o desempenho de 19 matérias-primas no mercado mundial, entre agrícolas, metálicas e energia, caiu 8,43% na última semana. No ano, até a segunda-feira, 7, acumulava perdas de 3,53%.

As cotações de várias matérias-primas registraram recuos expressivos, na casa de dois dígitos na última semana, como o petróleo tipo Brent (-17,87%), cobre (-18,45%), minério de ferro (-12,50%), café (-12,22%) e suco de laranja (-11,29%), por exemplo. Já a soja, o açúcar e o algodão tiveram quedas, porém menores na comparação com os demais produtos, de 4,37%, -5,51% e 3,80%, respectivamente.

“Os preços das commodities caíram porque o nível de atividade vai perder fôlego no mundo”, diz o economista Fabio Silveira, sócio da consultoria MacroSector. Ele não trabalha com cenário de recessão mundial, mas espera um recuo no ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial de 3,2% no ano passado para 2,5% este ano e de 2,2% em 2026.

Silveira acredita que a retração de preços das matérias-primas deve continuar, sobretudo se a guerra tarifária entre os países, com réplicas e tréplicas de retaliações entre China e os Estados Unidos, seguir ganhando fôlego.

Na segunda-feira, o índice CRB estava em 344 pontos e tinha recuado 10% em relação ao pico mais recente, atingido em 20 de fevereiro deste ano (383). Depois do tombo da pandemia, as cotações das commodities vinham se recuperando nos últimos cinco anos. Agora, com a guerra tarifária, o quadro se inverteu.

Flávio Serrano, economista-chefe do BMG, diz que a queda atual dos preços das commodities é a maior já registrada desde a crise sanitária. Silveira observa que há espaço ainda para um recuo de cerca de 10% no CRB, que deve voltar para 300 pontos. “Esse é o patamar de 2023, quando a economia mundial estava semiparalisada por causa da pandemia”, lembra.

Reflexos no Brasil

José Carlos Hausknecht, sócio-diretor da consultoria MB Agro, observa que, enquanto os preços da soja e do algodão, por exemplo, caem no mercado internacional, as cotações seguem firmes no mercado interno brasileiro, apesar da grande safra. Na sua análise, isso revela que o Brasil pode se sair bem nas exportações do agronegócio, suprindo a demanda de mercados gigantes como a China, antes ocupados pelos Estados Unidos.

No café, por exemplo, diz Hausknecht, tanto o Brasil como o Vietnã exportam para os Estados Unidos. Mas o Vietnã tem agora uma tarifa de 46%, enquanto a do Brasil é de 10%. “O Brasil vai ganhar competitividade.”

Serrano lembra que o Brasil exporta 80% da soja, 65% do petróleo e cerca de 60% do minério de ferro para a China. “Teoricamente, não devemos ser tão afetados pelas tarifas, devemos sofrer menos”, diz o economista. Mas ele ressalta que o País precisa se inserir com mais produtos no comércio mundial e ter mais flexibilidade nas transações bilaterais entre países e regiões.

De toda forma, nessa guerra tarifária marcada por retaliações, Silveira acredita que, numa primeira leitura, para soja e algodão será mais fácil o País ocupar fatias de mercado deixadas pelos EUA. Já no caso do suco de laranja, cujo preço caiu 53,96% neste ano no mercado internacional e os EUA são um grande comprador, será mais difícil realocar as vendas.

Dificuldades também devem atingir a realocação do aço brasileiro, taxado agora em 25% pelos EUA. É que a China é o maior produtor e exportador de aço no mundo e a perspectiva é a de que o gigante asiático inunde os mercados com seu produto, dificultando o redirecionamento das exportações brasileiras.

Balança Comercial e Inflação

Mesmo com cenário menos negativo para o Brasil, esse rearranjo do comércio internacional provocado pela guerra tarifária, com desdobramentos sobre os preços, deve afetar, segundo Silveira, o saldo da balança comercial brasileira.

No ano passado, o superávit foi de US$ 75 bilhões e, para este ano, o economista projeta US$ 55 bilhões. “Será um saldo comercial menor, mas ainda razoável”, diz ele, lembrando que, em 2023, o superávit foi de quase US$ 100 bilhões.

Já em relação aos desdobramentos da guerra tarifária nos preços e na inflação, o cenário é incerto. Preços das commodities em queda deveriam aliviar a inflação, sobretudo de alimentos, hoje o principal foco de pressão do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

No entanto, observam os economistas, é preciso considerar o comportamento da taxa de câmbio, que é o fiel da balança na conversão dos preços em dólar para real.

No ano passado, a taxa média de câmbio foi de R$ 5,39. “Estamos no meio do tiroteio”, diz Silveira. Pelos desafios da economia brasileira, sobretudo na parte fiscal, o economista projeta que o câmbio médio deste ano oscile entre R$ 5,80 e R$ 5,90, uma alta de 10% em relação a 2024. Se essa hipótese se confirmar, o câmbio poderá anular o alívio que a queda de preços internacionais das commodities deveria trazer para a inflação.

Além disso, os preços da soja, milho e algodão seguem firmes no mercado interno, apesar do cenário externo de cotações em queda.

Para Serrano, os desdobramentos da guerra tarifária para a inflação brasileira são ainda incertos. Ao mesmo tempo que pode haver maior estímulo às exportações de alimentos para destinos antes dominados pelos americanos, o que pode reduzir a oferta interna e pressionar preços, no caso dos bens industriais e do petróleo há risco de ocorrer um movimento inverso.

Ou seja, por conta das restrições impostas pelos EUA, pode haver um aumento da oferta de bens manufaturados no mercado brasileiro, sobretudo vindos da Ásia e com preço baixos, o que poderia gerar um efeito desinflacionário.

Também por conta do petróleo, cujo barril está cotado agora por volta de US$ 60 e que já caiu 18% este ano, o economista acredita que haveria espaço, teoricamente, para cortar o preço da gasolina. E isso ajudaria a reduzir a inflação. No entanto, na sua avaliação, a Petrobras não deverá mexer nos preços tão cedo porque há muita incerteza e volatilidade no mercado.

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