Por Fabio Silveira, Sócio-Diretor da MacroSector Consultores.
As empresas brasileiras deverão passar por grande teste no início de 2021, quando se presume que já não mais existirá o Auxílio Emergencial (AE), que tem sido fundamental para evitar o aprofundamento da recessão econômica desencadeada pela pandemia da Covid-19. Previsto para terminar em dezembro, o AE é uma transferência direta de renda mensal do Governo Federal para trabalhadores desempregados, informais, microempreendedores e autônomos atingidos pela crise. Em 2020, calcula-se que esse benefício financeiro totalizará cerca de R$ 180,0 bilhões (ou 2,5% do PIB).
Subtraído do orçamento público, esse fluxo de recursos tem tido impacto significativo no nível de atividade, devendo permitir que a massa de salários deste ano seja quase equivalente à de 2019, em função do grande “efeito multiplicador” da remuneração da mão-de-obra sobre a demanda agregada, em particular sobre o consumo das famílias.
Desse modo, em 2020, estima-se que a Massa Real de Rendimentos (MRR), incluindo os aportes de AE, alcance o patamar de R$ 2,45 trilhões, isto é, apenas 0,5% abaixo do ano passado, o que será um resultado econômico excelente, tendo em vista o alto poder de destruição de valor de bens e serviços que possui o coronavírus.
Por outro lado, há dúvidas em relação aos ajustes adicionais que as empresas devem realizar a partir do primeiro trimestre de 2021, quando se prevê que a MRR será 11% menor do que em igual período de 2020. Após a interrupção do AE, calcula-se que a massa média de salários em circulação na economia brasileira será de R$ 220,9 bilhões / mês, contra R$ 248,8 bilhões / mês no período janeiro-março deste ano.
Ou seja, em breve, haverá no país a instalação de um ambiente de maior acirramento da concorrência do que o esperado, à título de comparação, com o quarto trimestre deste ano, quando a MRR (que ainda inclui o AE) estará apenas 3% abaixo de outubro-dezembro de 2019 (R$ 218,3 bilhões / mês versus R$ 226,0 bilhões / mês).
Desde abril último, as empresas tentam se adaptar às mudanças que ocorrem na economia, como, por exemplo, na estrutura de preços relativos de bens e serviços. Entre outras variáveis, considera-se que o aluguel comercial, daqui para frente, diminuirá seu peso no custo operacional de inúmeras delas, ratificando o movimento declinante verificado no pós-Covid, que evidenciou a menor necessidade de “área locável” para a execução de suas funções. Mesmo após o fim do isolamento social, parece irreversível a tendência de que boa parte de funcionários e prestadores de serviços dessas organizações continue atuando de maneira remota (homeoffice).
Além disso, os temas “tecnologia da informação” e “cuidados com saúde” serão de importância crescente nos planos de investimento das corporações, devendo a produtividade delas ser pautada pela digitalização acelerada de atividades e cumprimento rigoroso de normas de segurança do trabalho, que permitem, em última análise, a preservação da própria imagem institucional.
Os ajustes nas empresas após o fim do AE, portanto, persistirão. Para muitas delas, parece inevitável que a manutenção de participação de mercado (ou, pelo menos, o prosseguimento no jogo concorrencial) num ambiente econômico em que a massa de salários seguirá comprimida (como visto acima) levará à intensificação do atual processo de inovações tecnológicas baseado no binômio digitalização-saúde.
Sem falar que, em vários setores econômicos, é necessário remontar sequências de tarefas e de conteúdo tecnológico que são requeridos na elaboração de bens e serviços, dado o objetivo de reduzir custos de produção e torná-los mais acessíveis ao consumidor, o que não pode ser empreendido em poucas semanas de estudos e reflexão. Demanda análise aprofundada e grande conhecimento das peculiaridades de cada negócio.