Agro tem saldo recorde até maio e supera superávit total do país em 73%

Resultado indica força do setor, mas pode não se manter no ano, ponderam especialistas

Por Marta Watanabe, Valor — São Paulo

Com exportação de US$ 67,3 bilhões de janeiro a maio, 5,8% mais que o de igual período de 2022, o agronegócio sustentou o crescimento do superávit da balança comercial brasileira no período recente. O saldo atingiu US$ 60,3 bilhões no acumulado do ano até maio, recorde para o período, 73% acima do superávit de US$ 34,9 bilhões da balança total do país.

O valor também superou o saldo positivo de US$ 34,3 bilhões do agronegócio de janeiro a maio de 2018, apenas cinco anos atrás. A escalada do resultado comercial do setor foi intensificada desde 2021, quando chegou a US$ 43,1 bilhões, recorde até então, seguido de novo patamar histórico em 2022, com US$ 57 bilhões, sempre nos cinco primeiros meses do ano.

Os dados são da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), que usa a classificação de produtos do agronegócio elaborada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). A classificação inclui produtos da indústria da transformação, como papel e celulose, couro e calçados, fibras e produtos têxteis, inclusive vestuário, além de alimentos e bebidas.

Daiane Santos, economista da Funcex, lembra que os produtos do agronegócio sempre garantiram, historicamente, saldo positivo para a balança, já que as exportações brasileiras do setor sempre foram relevantes, e as importações, relativamente pequenas. Excetuando-se o agronegócio, o agregado dos demais produtos exportados pelo país quase sempre apresentou déficits comerciais.

Nos resultados anuais desde 1996 levantados pela Funcex, os “demais produtos” só não tiveram saldo negativo em 2005 e 2006, quando a exportação de automóveis contribuiu para superávit desse grupo de US$ 5,4 bilhões e de US$ 2,3 bilhões, respectivamente. O déficit nos “demais produtos” se aprofundou para US$ 91,8 bilhões em 2013. Naquele ano, o superávit do agronegócio foi de US$ 82,9 bilhões, restando déficit de US$ 9 bilhões na balança comercial total.

“O agronegócio continuará sendo destaque, mas sem o brilho de 2022”
— Fábio Silveira

Em 2021 o superávit da balança do agronegócio rompeu de forma inédita a casa da centena e chegou a US$ 105 bilhões, ajudando a sustentar o então saldo recorde de US$ 61,4 bilhões da balança total.

No grupo dos “demais produtos”, o déficit de US$ 43,6 bilhões em 2021 quase dobrou em 2022, para US$ 80,1 bilhões. Já o superávit do agronegócio avançou 35%, para US$ 141,6 bilhões. Esse nível, considerado “extraordinário” pelos especialistas, garantiu novo superávit histórico da balança total, de US$ 61,5 bilhões em 2022.

Ainda que o agronegócio tenha exibido superávit comercial de janeiro a maio deste ano acima do registrado nos mesmos meses do ano passado, há divergência sobre a perspectiva de o setor conseguir superar a marca histórica de 2022.

“Para 2023 o resultado esperado para a balança comercial é positivo, influenciado pelo bom resultado previsto na balança do agro, embora não extraordinário como o saldo de 2022”, avalia Daiane.

“O que ocorreu no ano passado foi algo extraordinário. É preciso lembrar que em 2022 havia bom volume com preços excelentes, porque somaram-se os efeitos da recuperação após o período mais agudo da pandemia e os da guerra entre Rússia e Ucrânia”, diz Fabio Silveira, sócio da MacroSector.

Ele ressalta que já há queda de preços em soja e milho neste ano, como resultado do fraco desempenho da economia mundial. “A desaceleração dos mercados americano e europeu não será compensada pela razoável performance esperada para China e Índia”, diz.

A consultoria estima crescimento da economia chinesa de 4,8% em 2023, após alta de 3% em 2022. Já para Estados Unidos, diz, a expectativa é de avanço de 1,4% em 2023 e, na zona do euro, de 0,7%. A Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê que o comércio global desacelere de alta de 2,7% em 2022 para 1,7% neste ano.

“O agronegócio continuará sendo destaque e sua participação se manterá em bons níveis no comércio total do país, mas não com o brilho do ano passado, que juntou condições de volumes e preços elevados. O movimento global de alta de juros manterá preços em queda e os produtos primários ficam sujeitos a esse efeito mais rapidamente”, diz Silveira.

Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter reconhece o movimento de cotações ajustadas para baixo, mas acredita que o volume da produção agrícola poderá compensar esse efeito. “Neste ano devemos ter um volume versus preços em que a exportação final fica maior que a do ano passado.” Ela lembra que, apesar do ajuste de preços, as cotações de commodities ainda estão relativamente altas. Esse cenário do agro, das commodities metálicas e energéticas, diz, deve contribuir para um superávit comercial próximo de US$ 75 bilhões, o que deve ser um novo recorde pelos critérios da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Apesar do ajuste de preço, Rafaela diz não ver desestímulo à continuidade de produção agrícola, já que há demanda da China e Europa, que buscam alternativas ao fornecimento de alimentos. O cenário, diz, pode permitir mais diversificação de destinos.

Daiane ressalta que o resultado do agronegócio tem sido puxado por grãos, principalmente complexo soja, cuja produtividade tem avançado com aplicação de tecnologia. Para ela, o estímulo ao investimento em outras culturas pode propiciar diversificação de produtos embarcados pelo agronegócio.

Em 2022, o complexo soja, segundo a Funcex, somou US$ 60,82 bilhões em exportação, equivalente a 38,3% da exportação do agronegócio e 18,2% dos embarques brasileiros. Sob influência do milho, os cereais, farinhas e preparações à base de cereais ficaram com 9% da exportação do agronegócio. Em terceiro, com 8,2%, ficou a carne bovina, incluídas miúdo, preparações e conservas.

Há concentração também dos destinos. Segundo a Funcex, considerando a média 2021-2022, o comércio com a China resultou em US$ 44,9 bilhões em superávit do agronegócio, seguida por União Europeia, com saldo de US$ 18,7 bilhões. As duas regiões equivaleram a mais de 50% do superávit comercial total da média do biênio na balança do agronegócio.

A diversificação de produtos e destinos, diz Silveira, passa por uma política de governo que enfrente barreiras protecionistas e resistência à entrada de produtos brasileiros em mercados. “Impulsos adicionais no campo diplomático poderiam aproveitar segmentos que já têm certo dinamismo no país, ao lado de uma estratégia para desenvolvimento de marcas.” Entre os produtos, ele aponta frango, carne bovina e suco de laranja.

“É preciso lembrar que uma hora a exportação de soja nesses patamares perderá dinamismo, porque num prazo mais longo entrará no cenário a produção africana e a Nova Rota da Seda”, diz Silveira, referindo-se ao projeto “One Belt, One Road”, lançado por Pequim em 2013, que abrange uma série de projetos de infraestrutura, além de obras no setor energético.

Para o economista, o mapa da diversificação deve incluir, além de maior variedade de produtos para mercados como China, Estados e Europa, também ampliação de exportação à Índia e a países do Sudeste Asiático. Também é preciso lembrar, diz Silveira, que para enfrentar barreiras protecionistas e tentar garantir a manutenção de participação relevante de carnes, grãos e cereais nas exportações, é preciso que haja crescente coeficiente de sustentabilidade ambiental na utilização de insumos.

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