Por Fabio Silveira, MacroSector Consultores.
Alguns índices gerais de preços, como IPCA e IGP-M, estão em crise. Não de credibilidade na elaboração, mas de identidade e finalidade. Afinal, para que servem ambos os índices; e o que medem, desde a eclosão desses “tempos estranhos de pandemia”?
Vamos aos fatos: nos últimos doze meses terminados em novembro, o IPCA aumentou 4,3%; e o IGP-M subiu 24,5%. Ou seja, houve enorme discrepância na evolução desses índices ao longo do período, o que, seguramente, deve levar à revisão da metodologia de cálculo, pelo menos do IPCA (a do IGP-M será analisada em artigo futuro), passando a incorporar mudanças mais agudas e perenes nas atitudes de famílias e empresas.
À luz do observado, é “pouco normal” considerar que os impactos da Covid-19 sobre a estrutura de preços relativos da economia brasileira tenham sido modestos e que o orçamento familiar tenha sido pressionado para cima em apenas 4,3% no período de dezembro de 2019 a novembro de 2020. Nesse intervalo de tempo, o:
1. IPCA Alimentos e Bebidas acumulou alta de 16%, tendo participação ao redor de 21% no IPCA Geral. Apenas em março, quando foi declarada a pandemia, o índice deste grupo de preços subiu 1,13%;
2. IPCA Transportes, por exemplo, registrou aumento de apenas 1,2%, tendo peso da ordem de 20% no IPCA Geral, ou seja, quase o mesmo que o grupo de preços anterior.
A hipótese a ser logo testada é se a corrosão do orçamento familiar não foi superior aos 4,3% referidos acima. Isto porque, nos últimos nove meses, é provável que a participação do:
a) IPCA Alimentos e Bebidas tenha sido majorada (indo além do citado percentual de 21%), ou, pelo menos, esteja prestes a crescer de modo relevante;
b) IPCA Transportes tenha se reduzido, já que 2020 foi, marcadamente, um ano de isolamento social, por razão óbvia; e que 2021 serão tempos em que as pessoas, ainda, permanecerão muito afastadas umas das outras.
Além disso, desde o aparecimento da Covid-19, a elevação dos preços dos alimentos no varejo vem sendo persistentemente adiada pela “política de sobrevivência” adotada pelas empresas atacadistas e varejistas do setor, que tentam absorver, ao máximo, o encarecimento explosivo registrado por esses produtos e medido pela variação do IPA-M Agro. Nos últimos doze meses, este índice subiu 38,8%, levando tais empresas a operar com margem de rentabilidade mínima, quando não, negativa. Em outros termos, no momento, o país não está numa situação de “equilíbrio de preços relativos”.
Assim, se for verdade que a participação de Alimentos e Bebidas é superior à que estamos “oficialmente lendo”; e a de Transportes, inferior, pode-se aventar a possibilidade de que o aumento do IPCA Geral, nos últimos doze meses, tenha sido maior do que a taxa de 4,3%.
Nesse sentido, é fundamental analisar com profundidade o contexto em que estamos vivendo, sob as óticas econômica e social, passando a admitir tecnicamente que algumas mudanças não são efêmeras e a digitalização da sociedade mal começou, o que demandará um rebalanço rápido dos grupos de preço do IPCA e, portanto, recálculos das projeções atuais da inflação oficial.